Resenha 78 | Infância Interrompida

em 13.3.15
Título: Infância Interrompida
Autora: Cathy Glass
Editora [parceira]: Fundamento (2013, 288 páginas)
Sinopse: Jodie tem apenas 8 anos. Colocada para adoção, violenta e extremamente agressiva, passou por cinco famílias em quatro meses. A última esperança antes que a menina seja levada para uma instituição é Cathy, que vai recebê-la em sua casa. No início as coisas vão mal, muito mal mesmo. Mas, apesar das imensas dificuldades para lidar com Jodie, Cathy não desiste e usa todo o seu amor, paciência e experiência para ajudá-la. E, quanto mais a pequena confia em Cathy, mais esta descobre fatos medonhos sobre o triste passado da criança. Os pais – que deveriam ter cuidado com muito amor de Jodie – são as mesmas pessoas que interromperam sua infância, que acabaram com sua vida. O futuro de Jodie é nebuloso, mas Cathy irá ficar ao lado dela. Até quando puder.

Resenha

Esse é um livro perturbador, provocativo e comovente. Narrado em primeira pessoa, Infância Interrompida apresenta a história real de Cathy Glass, a autora. Há 25 anos, ela atua como acolhedora de crianças e adolescentes retirados do ambiente familiar. Isso quer dizer que Cathy recebe em sua casa, pelo período que for preciso, crianças e adolescentes (geralmente problemáticos) que poderão ou não retornar para suas famílias de origem.

Nesse livro, Cathy nos conta sobre a criança mais perturbada que acolheu em sua casa. Jodie era apenas uma menina de 8 anos, mas já havia passado por 5 acolhedores, no período de 4 meses, desde que foi retirada de sua casa. Todos desistiram dela sem grandes motivos aparentes e Cathy aceita ser a última tentativa como família acolhedora. Caso Cathy desista, Jodie será enviada para uma residência de acolhimento definitiva (uma espécie de orfanato).

Cathy é uma acolhedora experiente e já lidou com muitas crianças e adolescentes maltratados. Com amor, bondade, atenção e disciplina, ela sempre obteve êxito. Mas Jodie é diferente. É agressiva, violenta, perturbada, inalcançável. O que poderia ter acontecido para que Jodie expressasse esse tipo de comportamento? Cathy está esgotando seu repertório como acolhedora e Jodie não responde positivamente a nenhum estímulo agradável.

Jodie era a criança mais perturbada, a mais exigente que eu jamais encontrara; ela era muito fria, não reagia, não tinha nenhuma vontade de ser gostada ou apreciada. Não era possível encontrar uma maneira de mediar, porque ela não tinha nenhum interesse em encontrar o meio do caminho. (p. 73)

A narrativa é muito humana e honesta. Vemos o quanto Cathy se esforça por Jodie, o quanto coloca toda a sua paciência à disposição dela. Ao mesmo tempo, vemos o quanto está exausta e frustrada. Ela não consegue compreender por que Jodie se mantém tão distante.

Então, a revelação acontece e temos um vislumbre do passado sombrio dessa garotinha. Jodie fora vítima de abuso sexual intrafamiliar a longo prazo; é impossível não sentir compaixão por ela e entender a fúria que expressa tão abertamente em seu comportamento violento. O problema é que a revelação não aproxima Jodie de Cathy, mas se torna um catalizador para o seu declínio. A personalidade de Jodie passa a se desintegrar a partir do seu contato com o doloroso passado.

Eu não quisera acreditar que pudesse haver alguma coisa pior do que o pai dela sujeitando-a aos atos vis que ela havia descrito, mas agora, para meu horror, dei-me conta de que era muito, mas muito pior do que qualquer pessoa possa ter suspeitado. (p. 121)

A história de Jodie é revoltante. A violência sexual que ela sofreu é muito mais grave do que a sua primeira revelação faz parecer. Aos poucos, Jodie conta mais detalhes do que lhe fizeram e nossa impotência, nossa indignação, crescem em igual proporção. Cathy não é psicóloga ou assistente social e não possui um treinamento adequado para lidar com o declínio de Jodie. Mas ela é admiravelmente terna, humana e comprometida. Ela acolhe Jodie com todos os seus monstros e não acho que poderia haver melhor acolhedora naquele momento.

Jodie queria arrebentar o mundo inteiro porque estava muito ferida, e quem quer que estivesse em seu caminho teria de aguentar a violência de sua dor. (p. 56)

Devido à minha formação em Psicologia, interessei-me por Infância Interrompida quando soube se tratar de uma história verídica. Valeu cada página lida! A atenção de Cathy a cada detalhe nos permite compreender o padrão de comportamento de Jodie e o nível alarmante de sua esquiva experiencial em relação aos episódios traumáticos que vivenciou. Há consistência nos relatos, mas há – sobretudo – grande humanidade por parte de Cathy. Notamos seu esforço em não julgar Jodie e tentar entendê-la.

Conhecemos um pouco sobre o funcionamento do Serviço Social no exterior e, embora haja um suporte muito maior no que se refere ao acolhimento de crianças afastadas dos pais do que temos no Brasil, senti-me frustrada com a incompetência e burocracia de alguns departamentos. Jodie estava desde o seu nascimento na lista de casos que precisavam de melhor acompanhamento da Assistência Social. Isso quer dizer que a família dela recebia visitas periódicas... E nenhum profissional ao longo daqueles 8 anos notou o sofrimento de Jodie! É revoltante.

Infância Interrompida é um livro que recomendo a todos! O abuso sexual é uma violência que pode ser percebida por um professor, vizinho, amigo, parente... Basta uma denúncia para que o caso seja investigado e a criança ganhe, ao menos, a esperança de uma infância normal.

A capa é maravilhosa (representa a Jodie) e a Editora Fundamento fez um excelente trabalho no livro (ótima revisão e diagramação simples). Esse livro ingressou para os meus favoritos pela importância do tema e a forma como foi abordado. Espero que vocês possam lê-lo um dia.

*Agradeço o carinho da Editora Fundamento em me oferecer a cortesia dessa leitura.*

Avaliação:

Compartilho os meus quotes favoritos:

...amor, bondade, atenção e limites firmes eram a base do que qualquer criança precisava para sobreviver. (p. 10)

...nenhuma criança é simples. Elas são sempre singulares e seus problemas são distintamente os problemas de cada uma delas. (p. 11)

Jodie era apenas uma criança... uma garotinha que tivera um terrível começo na vida, que merecia uma chance de recomeçar e ter pelo menos um pouquinho da felicidade que toda criança precisa. (p. 18)

As crianças acolhidas não chegam a sua casa de olhos arregalados e sorrindo. Elas tendem a estar retraídas por causa do que lhes aconteceu e, muitas vezes, serão distantes, furiosas e difíceis de alcançar, o que não é de se surpreender muito. (...) O único fator constante é que cada uma é diferente e que elas precisam de atenção e bondade para lidar com sua infelicidade. (p. 20)

Quando os pais são alcoólatras ou viciados em drogas, ou sofrem de problemas mentais, evidentemente não estão em condições de cuidar adequadamente de seus filhos, de olhar para suas necessidades de modo que eles venham a ser capazes de superar os problemas. Essa maneira de educar uma criança não é cruel de propósito, como são cruéis os maus-tratos físicos ou o abuso sexual... (p. 22)

...crianças que foram maltratadas e estão magoadas às vezes só usam cores muito escuras [ao pintar]. É como se a sua sensibilidade estivesse fechada e elas não notassem nada no mundo à sua volta; elas não enxergam cores e formas como as crianças normais. (p. 57)

Sabia que ela tinha sofrido bastante na vida, mas a única esperança que havia para seu futuro era de que procurasse compreender como funciona uma família normal na sociedade. Ela tinha de aprender o que era um comportamento aceitável e que tipo de tratamento dos outros era considerado inteiramente errado. (p. 109)

...algumas crianças muito maltratadas parecem desligar os sentidos para se protegerem. (p. 115)

Olhei com tristeza para Jodie, que olhava direto para frente, alerta para o perigo, sem perceber nenhum dos prazeres sensoriais à sua volta. O mundo não era um lugar que ela pudesse gostar como qualquer criança normal; para ela, o mundo não tinha encantos, nem estímulos. Ela perdeu a sensibilidade para tudo pelo que havia sofrido. Era de cortar o coração. (p. 123-127)

A maioria das crianças, não importa o quanto se comporte mal, basicamente querem ser amadas, querem sentir a aprovação dos que estão a seu redor. Jodie, por outro lado, simplesmente não dava a menor importância para isso. (...) se pudesse escolher entre ficar sozinha ou passar algum tempo com alguém, Jodie sempre preferia estar sozinha. A história dela ensinara que a companhia dos outros poderia trazer a dor ou a rejeição, e essa lição a isolara do mundo. (p. 141-142)

Eu tinha esperanças de que houvesse tempo para tratar daquela personalidade quebrada, e ansiava por juntar os pedaços dela, para que ela pudesse ter outra chance na infância que lhe fora arrancada tão cruelmente. (p. 143)

Até que ponto uma personalidade poderia sofrer uma fratura antes que fosse impossível consertá-la? Até que ponto toda aquela infelicidade e todo aquele sofrimento a levariam? (p. 239)


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17 comentários:

  1. Oi Fran! Li esta obra ano passado e fiquei com o coração na mão. É algo triste de conhecer, mas existe e precisamos enfrentar isso. Nunca passei por tal situação e agradeço a Deus por isso, pois acredito que é uma, senão a pior coisa da qual podemos enfrentar.

    Parabéns pela resenha e por passar tudo que sentimos ao ler o livro em suas palavras.

    Beijos
    http://www.amorliterario.com

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  2. Oiii, Fran
    Adorei sua resenha (novidade né rsss....).
    Sou fã da sua escrita!
    Não conhecia esse livro e acho que nunca li nenhuma obra que tratasse desse tema tão delicado.
    Enfim, vi a divulgação da resenha e vim dar uma passadinha e deixar um grande abraço para uma das minhas blogueiras preferidas!!!
    Bjsss

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  3. Fran lindona só com a sinopse meu coração ficou sangrando,, como mãe imagino o trauma que essa menina carrega, não é a toda que suas reações são essas. Uma alma quebrada desde cedo. Preciso me preparar psicologicamente para enfrentar uma leitura tão carregada de emoções . A resenha está ótima. beijos

    Joyce
    www.livrosencantos.com

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  4. É muito triste ver que histórias assim só se repetem em todos os lugares. Impossível imaginar como alguém pode fazer tanto mal pra um ser tão indefeso e como isso afeta gravemente a vida de uma criança. É algo que vai estar com ela pra sempre e muitas vezes crianças que sofrem esse abuso nunca conseguem ajuda para melhorar suas vidas.
    É muito triste mesmo...

    O Outro Lado da Raposa

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  5. Oi Fran, tenho certeza que quado for ler este livro vou ficar com o coração bem apertado. Muito triste saber que coisas assim acontecem. Os quotes que você escolheu são um show a parte.
    Bjs, Rose

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  6. Oii Fran!

    Adorei a resenhas ^^ Adoro a editora Fundamento e esse livro me chamou muito a atenção!
    Adorei a capa e a sinopse me conquistou ^^O triste é saber que isso acontece não só em livros, mas na vida real e poxa... são só crianças né? Que tristeza isso.

    Beijos, Amanda
    www.facebook.com/coisadeleitor135

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  7. ola Fran!!!teve um caso bem parecido na minha família e infelizmente nem todo amor que demos a ela parece ter sido suficiente para aplacar a dor que com certeza ela ainda carrega na alma,é algo triste demais ver o que o abuso infantil pode causar, eu com certeza vou ler esse livro, saber o ponto de vista de outra pessoa que esteve na mesma situação talvez me ajude a entender o que ficou faltando.

    BEIJOSSsss...

    http://sonhosdeleitor.blogspot.com.br/

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  8. Amiga quando eu comecei a ler a sua resenha comecei a ficar curiosa para saber do porque do comportamento da garotinha e quando cheguei no ponto que você disse sinceramente tenho que confessar que fiquei chocada, porque é algo que acontece muito hoje em dia e as crianças ficam praticamente traumatizadas. Tipo, eu acho que eu iria ficar muito impressionada de ler esse livro, porque eu sou assim, não gosto muito de coisa chocante, mas mesmo assim me doeu o coração só por ler a sua resenha e de imaginar as dificuldades que essa garota passou. Enfim...Mas parabéns, tu desenvolveu muto bem a resenha do livro de uma maneira simples e direta =]

    http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2015/03/reflexaocontos-18.html

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    Respostas
    1. Amiga quando atualizar pode me gritar
      estou passando para te convidar para ver a nova resenha

      http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2015/03/resenha-como-viver-eternamente_15.html

      Excluir
  9. Estou lendo um livro atualmente que trata exatamente do abuso sexual de menores por parte de familiares, então consigo imaginar o que essa menina passou; fico mais triste ainda por saber que é baseado em fatos. Como me interessei pelo tema, esse livro vai entrar para os meus desejados.
    Esse tipo de obra deveria ser amplamente divulgado, pois serviria de alerta para muitas famílias.

    M&N | Desbrava(dores) de livros - Participe do nosso top comentarista de março. Você escolhe o livro que quer ganhar!

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  10. Oie, Fran.
    Caraca... Fico indignada com esse tipo de situação. Às vezes é difícil acontecer que realmente aconteceu, mas então recordo de como o ser humano é cruel quando lembro dos genocídios que já aconteceram na história da humanidade. Cruel em todos os aspectos... Inclusive com uma criança inocente, sangue de seu sangue, de quem deveria cuidar e amar incondicionalmente.
    Acho que já vi um documentário sobre a história dessa criança, ou então foi um caso bem semelhante. Não sei se conseguirei ler esse livro sem sentir nojo e ânsias de vômito, mas juro que vou tentar. Obrigada pela indicação.
    Com carinho,
    Celly.

    Me Livrando ❤

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  11. Gente!!! Eu fiquei apaixonada por esse quotes :OOO São incríveis.
    Eu sempre via esse livro na livraria, e ficava "Ele está me olhando, será que eu compro ou não???" Sempre ficava receosa por não saber do tema. Mas quando eu vi essa resenha, não deu outra, eu tive que ler! O assunto abordado é muito polêmico e cruel da parte de pessoas que fazem isso. Com certeza irei ler!
    Beijos,

    http://our-constellations.blogspot.com.br/

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  12. Oii minha nossa que quotes mais lindos!!! *.*
    Amei a capa do livro e gostei bastante da sua resenha, mas não seria um livro no qual eu leria... vou te explicar o porque, parece idiotice minha, mas um tema tão real, tão revoltante e tão triste me deixam tão mal que eu prefiro passar longe sabe?

    beijos
    http://livrosetalgroup.blogspot.com.br

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  13. Oie Flor!
    Nossa esse livro parece ser surpreendente, fiz 6 semestres de Serviço Social(não pretendo terminar por n motivos), mas esse livro me deixou curiosa em saber como os A.Sociais trabalham em outros países e é fato que tentarei ler esse livro ainda esse ano. Amei sua resenha.
    Bjus
    Juh

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  14. Oi, tudo bem?
    Eu já tinha visto esse livro por ai e ficado apaixonada pela capa, mas acabei nem indo saber mais sobre a história, por isso fiquei super animada ao ver que a resenha era sobre ele. Bom, a premissa desse livro é super interessante e saber que ele narra a história real da autora me deixou mais curiosa ainda. Enfim, esse livro deve ser realmente comovente e perturbador, a gente deve ficar furiosa quando descobrimos sobre o que aconteceu com Jodie, né?

    Beijos :*
    Larissa - http://srtabookaholic.blogspot.com

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  15. Oi Francine, tudo bem?

    Com certeza essa é uma das leituras que eu passo longe. Não tenho fôlego nem estômago :c

    Vou deixar passar.

    Beijos

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  16. A resenha como sempre muito boa, já faz um tempo que não acesso seu blog, mas sempre que dá eu dou uma visitada. Achei interessante esse livro, embora revoltante, é difícil ler algo assim sabendo que foi real, mas acho que precisamos conhecer a história dessas pessoas que sofreram abuso. Precisamos levar isso mais a sério para que outras não sejam vítimas tb.

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