Resenha 22 | Mulheres

em 2.3.14
Título: Mulheres
Autor: Charles Bukowski
Editora: L&PM Pocket (2011, 320 páginas)
Sinopse: "Eu tinha cinquenta anos e há quatro não ia pra cama com nenhuma mulher." Este é Henry Chinaski, Hank, escritor, alcoólatra, amante de música clássica, alter ego de Charles Bukowski e protagonista de Mulheres. Mas este não é um livro convencional – nem poderia ser, em se tratando de Bukowski – no qual um homem está à procura de seu verdadeiro amor. Após um período de jejum sexual, sem desejar mulher alguma, Hank conhece Lydia – e April, Lilly, Dee Dee, Mindy, Hilda, Cassie, Sara, Valerie, não importa o nome que ela tenha. Hank entra na vida dessas mulheres, bagunça suas almas, rompe corações, as enlouquece, as faz sofrer. E no fim elas ainda o consideram um bom sujeito. Publicado em 1978, Mulheres, o terceiro romance de Bukowski é a essência de sua literatura: com o velho Chinaski, ele sintetiza a alma de todos aqueles que se sentem à margem. Escrevendo em prosa, Bukowski poetisa a dureza da vida e nos dá uma pista: "ficção é a vida melhorada".

Resenha
[Atenção: literatura +16]

Começo dizendo que a narrativa de Charles Bukowski não é para qualquer leitor. É preciso alta dose de tolerância e (por que não?) humor para apreciar a sua escrita. O autor é amplamente reconhecido pela crueza com que aborda fatos corriqueiros da vida. Ele dedica atenção ao personagem escovando os dentes da mesma maneira que dedica atenção ao clímax da história, sem distinção de valor. Acredito que essa característica desagrade muitos leitores, mas é o que permite também escolher o que você considera importante na história. O destaque é você quem confere, com uma liberdade ofensivamente presenteada pelo autor. Há um quote de Mulheres que apresenta claramente o que Bukowski nos provoca:

– Você escreve de uma maneira tão tosca – disse ela. – Parece uma marretada, só que dada com humor e ternura... (p. 71)

Dito isso, vamos à resenha de Mulheres: uma obra que me chocou, divertiu e também irritou, exatamente o que acredito ter sido a intenção de Bukowski ao produzi-la. Com uma narrativa em primeira pessoa, conhecemos Henry Chinaski (ou Hank), um escritor alcoólatra de 50 anos. Ex-funcionário dos Correios, Hank se tornou famoso o suficiente para sobreviver escrevendo poemas, contos e romances, a maioria deles inspirada na sua relação com as mulheres. Quando o livro começa, Hank estava em jejum sexual pelo período de quatro anos, mas até o final da obra é possível perder a conta das mulheres com quem faz sexo. 

A nossa perspectiva sobre as mulheres presentes na história é limitada ao que Hank descreve e por diversas vezes me flagrei complementando o contexto com meus próprios julgamentos. Enquanto ele apenas descreve, por exemplo, que Sara "apareceu" e lhe fez uma sopa para depois partir, o leitor nota na ausência das suas palavras o quanto ela se importava com ele, mesmo que o próprio personagem não tenha sequer mencionado isso. É como se Bukowski conseguisse nos fazer imergir na história e ver o que o próprio Hank não via.

A verdade é que Hank não apenas fazia sexo com suas mulheres. Ele invadia suas vidas, analisava suas casas e personalidades, assumia suas rotinas, acompanhava seus raciocínios, como uma aranha que tece suas teias ao redor da vítima. Ao leitor desatento, Hank poderia parecer um sujeito superficial, mas julgo que sua busca por algum sentido era tão profunda que o próprio personagem encontrava no álcool e no sexo uma fuga. Há momentos ao longo da história que Hank questiona suas próprias atitudes, mas não se permite ir além disso e encontrar respostas. Ele é um covarde, sim, mas quem não é? Bukowski torna um personagem vil e cruel com as mulheres em alguém completamente humano, que comete um erro após o outro simplesmente porque teme enfrentar seus monstros.

– Por que você não consegue nunca ser decente com as pessoas? – perguntou.
– Medo – respondi. (p. 58)

Em Mulheres encontramos uma narrativa estável e temos a sensação de que o personagem está em um constante ciclo de uma mulher a outra, sem nunca ter fim, recomeçando o que parece ser uma história igual, mas que sempre é diferente. É repetitivo, como a vida. O livro inteiro apresenta uma rotina. São nas últimas duas páginas que temos o resquício de uma esperança para uma mudança, um sopro de vitalidade e confiança para Henry Chinaski, mas tão curto que não chega a ser o clímax da história. Mais uma vez Bukowski não dá maior intensidade a algo que nos parece importante, mas confesso que gosto disso.

Acho importante dizer, também, que a narrativa envolve linguagem chula e obscena. É vulgar mesmo (rs)! Repito: não é o tipo de livro para qualquer leitor. Essa linguagem, na minha opinião, foi muito importante para provocar proximidade com o personagem e adequou-se à proposta da obra. Obviamente, tal obscenidade do Hank, especialmente quando descrevia as mulheres, chegava a ser insultante. Eu senti nojo e simpatia por ele, num paradoxo que me acompanhou até o fim do livro. Entendi logo nas primeiras páginas que não se pode ler Mulheres esperando gostar do protagonista. Mesmo sem gostar dele, em diversos momentos tive que admitir: Henry Chinaski era mais do que aparentava. Acredito que as várias mulheres que se apaixonaram por ele, ou que simplesmente o quiseram – ainda que fosse velho, gordo, alcoólatra e feio –, viram isso também. Algumas vezes, vemos nas pessoas mais do que elas demonstram.

A minha edição do livro tinha erros na diagramação, especialmente nas falas, que me incomodaram. Algumas vezes esqueceram de incluir o travessão e era difícil distinguir se o personagem falou ou pensou o que estava escrito, mas o contexto respondia após algumas linhas. Recomendo a leitura do livro aos que se interessarem! :) Acho que pelo menos uma vez na vida, toda pessoa deveria ler uma obra de Charles Bukowski.

Avaliação:

Gostei de tantos quotes em Mulheres que foi difícil selecionar somente alguns para compartilhar com vocês (rs), portanto, registrei vários. Cada um deles expressa um pouco do que se pode encontrar no livro.
Quotes favoritos:

Lydia e eu estávamos sempre brigando. (...) A gente rompia pelo menos uma vez por semana – "pra sempre" –, mas acabava dando um jeito de voltar. Ela terminara de esculpir minha cabeça e me deu o troço de presente. Quando a gente rompia, eu botava a cabeça ao meu lado, no banco da frente do carro, tocava pra casa dela, e deixava o troço na soleira da sua porta. Daí, ia pruma cabine telefônica, ligava pra ela e dizia: "A porra da cabeça taí fora, na sua porta!" A cabeça ia e vinha o tempo todo... (p. 35)

– Não quero me aproveitar de você, Dee Dee – disse eu. – Nem sempre sou bom com as mulheres.
– Já disse que te amo. 
– Não faça isso. Não me ame. 
– Tá legal – disse ela –, não vou amar você. Vou quase amar. Tá bom assim?
– Melhor assim. (p. 54)

Me alegrava não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gostava de me sentir estranho a tudo. As pessoas apaixonadas, em geral, se tornam impacientes, perigosas. Perdem o senso de perspectiva. Perdem o senso de humor. Ficam nervosas, tornam-se chatas, psicóticas. Podem virar assassinas. (p. 64)

– Tem muita frieza nesse mundo – eu disse. – Se as pessoas pudessem pelo menos conversar sobre as coisas já ajudaria muito. (p. 68)

Às vezes você acha bondade no meio do inferno. (p. 74)

– Você é o famoso mais desconhecido que já vi.
– É que eu não sou ambicioso. (p. 79)

Eu conhecia uma porção de mulheres. Por que sempre mais mulheres? O que eu estava tentando fazer? Era excitante um caso novo, mas também dava um trabalhão. O primeiro beijo e a primeira trepada tinham uma certa dramaticidade. As pessoas são interessantes no início. Aos poucos, porém, todos os defeitos e as loucuradas botam as manguinhas de fora, é inevitável. Começo a significar cada vez menos pras pessoas, e elas pra mim. (p. 80)

Katherine sabia que tinha alguma coisa fora do lugar em mim. Eu era uma soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, ideias, ideais, nem me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não ser. E aceitava isso. Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante; dava muito trabalho. Eu queria mesmo era um espaço sossegado e obscuro pra viver a minha solidão. Por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo e não conseguia nada. Um tipo de comportamento não se casava com o outro. Pouco me importava. (p. 112-113)

Não costumo valorizar cultura, mas ajuda a conseguir um emprego e a entender um menu – ajuda mais no menu que no emprego, aliás. (p. 137)

Pode estar certo de que os piores escritores são os que têm mais autoconfiança e se põem menos em dúvida. De qualquer jeito, é melhor evitar os escritores; é o que sempre tentei fazer, mas é quase impossível. Eles sonham com uma espécie de irmandade, de união. Nada disso tem coisa alguma a ver com escrever, nada disso ajuda na máquina. (p. 151)

– Eu nunca forço a minha vulgaridade. Deixo que busque seus próprios meios de expressão. (p. 180)

Esse é o problema com a bebida (...). Se acontece uma coisa ruim, você bebe pra esquecer; se acontece uma coisa boa, você bebe pra comemorar; se não acontece nada, você bebe pra que aconteça alguma coisa. (p. 185)

Que espécie de merda era eu? (...) Eu não tinha nenhuma consideração por nada além do meu prazerzinho barato e egoísta. Eu parecia um ginasiano mimado. Eu era pior que qualquer puta; uma puta só toma o seu dinheiro, nada mais. Eu bagunçava vidas e almas como se fossem brinquedos. Como é que eu ainda me considerava um homem? (...) Eu não prestava, essa era a verdade. (...) Eu entrava na vida dos outros porque eles confiavam em mim. Eu aprontava as minhas cagadas com a maior facilidade. Eu estava escrevendo A história de amor de uma hiena. (p. 256)

Elogiar o talento de um cara só porque ele está sentado na sua frente é a mais imperdoável das mentiras, porque o estimula a ir em frente, a continuar; e isso, prum sujeito sem talento genuíno, é a pior maneira de desperdiçar a vida. (p. 298)

As pessoas se devem alguma fidelidade, mesmo que não sejam casadas. Nesse caso, a confiança mútua tem de ser ainda maior, pois não há nenhuma lei assegurando nada. (p. 313)

Gostou da resenha?
Comente! ;)

9 comentários:

  1. Muito bom!
    Esse livro foi o meu primeiro contato com ao autor e ameio-o.
    Ele realmente é surpreendente e concordo com você quando diz que é preciso uma certa tolerância.

    Minhas Impressões

    ResponderExcluir
  2. Estou com esse livro na estante desde o Natal (ganhei de presente), ao ler sua sinopse fiquei intrigado, ansioso para adentrar em suas páginas, mas como estou lendo uma saga, As Crônicas de Gelo e Fogo, acabei deixando-o na espera (e que espera). Lendo a resenha meu desejo aumentou, e muito. Dizem que é bom ler dois livros ao mesmo tempo, talvez eu faça isso. ;)

    Abraços!

    ResponderExcluir
  3. Acho que o objetivo principal do autor, foi mostrar que homens como Hank, podem ter um coração, apesar de suas atitudes. Se pararmos pra pensar bem, uma pessoa que vive em uma vida regada a álcool e a sexo tem essa propensão de fazer merda [ perdão pelo palavreado] e depois colocar a mão na cabeça e reconhecer tudo o que fez.
    Acho que o fato da linguagem obscena ser usada causa um impacto, mas bom, normalmente quando leio livros com linguagens assim, eu penso: "essa palavras existem e tem pessoas que as usam.." E eu acho engraçado, me faz rir muito!
    Acho que acaba sendo igual você disse: a relação do leitor com a personagem Hank é de amor e ódio e acho que isso faz com que acabamos gostando do livro.
    Parece ser complexo mas ao mesmo tempo simples, é um autor que sabe como escrever e sabe principalmente como agradar o leitor. Acho que ele quis também relembrar de personagens assim, de que realmente existem homens nessa vida.
    ENFIM, sua resenha me fez desejar loucamente esse livro! E a capa realmente me chamou atenção, a jogada capa e história com certeza combinou!

    Beijos linda!
    Percepções Blog

    ResponderExcluir
  4. Se você diz que não é para qualquer leitor esse livro, aí que eu quero ler! Não por me achar uma leitora acima da média, mas gosto de me desafiar de vez em quando ;3
    Gostei da proposta do livro, porque, por mais que a obra tenha sua particularidade, nos faz lembrar daquele tipo de homem ou mulher em que não vemos nada de interessante, no entanto, está sempre acompanhado, vivendo um novo amor, ou no caso do personagem, um quase amor. Talvez o interesse dele fosse justamente esse: era uma pessoa completamente alheia ao mundo a sua volta e, no nosso cotidiano, quando encontramos alguém assim?
    Gostei, é mais uma obra que vai para a lista, e a resenha ajuda, vai xD

    Beijão, Fran!

    ResponderExcluir
  5. Oi Fran,
    tudo bem?
    Me senti em uma aula de literatura de nível avançado, risos....
    Acho que para entender a complexidade desse personagem, tenho que ler esse livro em um momento muito especial, porque a primeira vista, confesso que não gostei. Acredito que se me aventurasse em suas páginas, seria com olhar técnico, em busca de pesquisa, pois o olhar de leitora que quer apenas se distrair e emocionar, me faria ficar bem longe dele!!!!!
    Só você mesma para fazer essa resenha que ficou perfeita.
    Beijihos.
    cila-leitora voraz
    http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  6. Fazer o que né Fran, você me deixou curiosa hahahaha e seu que posso fica grilada pela forma que ele escreve rs, mas quero ler o livro.


    Beijos
    http://fernandabizerra.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  7. Amei a resenha, mas não sei se leria esse livro rsrsrsrs
    Estou num momento onde leio mais romances, quem sabe daqui a algum tempo.

    Bjus
    http://infinitoparticulardoslivros.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  8. Olá, Fran! Como vai?
    Já faz alguns anos que ouço muito falar de Bukowski, mas, de um tempo mais recente pra cá, conversas em que o velho safado é citado, tornaram-se mais frequentes.
    Bem, leitora apaixonada e admiradora de pensadores contemporâneos e libertinos, que sou, já tenho Bukowski na lista de urgência para leitura neste ano.
    Só fico em dúvida de por onde começar, por isso venho pesquisando várias resenhas há algum tempo e, fiquei super contente de ter encontrado Bukowski aqui no teu blog, pois tuas resenhas são ótimas!
    Enfim, com certeza lerei Mulheres, mas acredito que começarei por Cartas na Rua, pela sinopse ter me interessado demais... Quando eu ler, resenho e posto no Vanille Vie dizendo o que achei :)
    Beijo flor!
    Julia Gerhardt.
    http://vanille-vie.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  9. Francine, eu AMEI a sua resenha. Sério, eu já gostava de Bukowski antes, com seus poemas. Agora, com suas impressões e seleção de quotes, irei comprar assim que conseguir encontrar um! (Será que tem em bancas?)

    Concordo com você quando disse que o ranço em relação ao protagonista pode ter sido, desde o princípio, o propósito desse velho safado tão talentoso com as palavras.

    Amei o blog, ficarei aqui por bastante tempo!
    Espero que você também aproveite o LOHS

    beijos, Iza
    http://livrosontemhojeesempre.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir

Que tal deixar seu comentário?
Fico sempre muito feliz ao ler as opiniões dos nossos leitores. Se tiver um blog, informe, pois será um prazer retribuir sua visita.

Posts Relacionados
Posts Relacionados