Crônica 1 | O Milagre das Folhas

em 8.11.13
Na
ocasião em que participei de uma Oficina de Crônicas, ministrada por Elyandria Silva, conheci uma crônica apaixonante que compartilho com vocês.

Esta crônica, de Clarice Lispector, carrega a doçura que a vida nos apresenta com suas pequenas expressões de reconhecimento da nossa existência.

Espero que gostem e se emocionem, assim como aconteceu comigo ao lê-la.(●´∀`)ノ♡


O Milagre das Folhas

Não, nunca me acontecem milagres. Ouço falar, e às vezes isso me basta como esperança. Mas também me revolta: por que não a mim? Por que são de ouvir falar? Pois já cheguei a ouvir conversas assim, sobre milagres: “Avisou-me que, ao ser dita determinada palavra, um objeto de estimação se quebraria.” Meus objetos se quebram banalmente e pelas mãos das empregadas. Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daqueles que rolam pedras durante séculos, e não daqueles para os quais os seixos já vêm prontos, polidos e brancos. Bem que tenho visões fugitivas antes de adormecer - seria milagre? Mas já me foi tranquilamente explicado que isso até nome tem: cidetismo, capacidade de projetar no campo alucinatório as imagens inconscientes.

Milagre, não. Mas as coincidências. Vivo de coincidências, vivo de linhas que incidem uma na outra e se cruzam e no cruzamento formam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que mais é feito de pudor e segredo: mal eu falasse nele, já estaria falando em nada.

Mas tenho um milagre, sim. O milagre das folhas. Estou andando pela rua e do vento me cai uma folha exatamente nos cabelos. A incidência da linha de milhares de folhas transformadas em uma única, e de milhões de pessoas a incidência de reduzi-las a mim. Isso me acontece tantas vezes que passei a me considerar modestamente a escolhida das folhas. Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta. Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança. E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.

Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza.

(Clarice Lispector)
.
O milagre das folhas foi publicado originalmente em 4 de janeiro de 1969, no Jornal do Brasil.

Adoraria saber o que acharam dessa crônica.
Para mim, Clarice Lispector é quem foi de grande delicadeza ao escrevê-la.

6 comentários:

  1. Oi Fran,
    tudo bem?
    Eu gosto muito da Clarice (olha que intimidade, risos...). No vestibular eu fui apresentada a ela. Era um texto sobre os avós, o sentimento que os cerca depois que os filhos crescem e não precisam mais deles, e como a vida volta a fazer sentido quando os netos surgem. Eu achei tão lindo que nunca esqueci e passei a ler alguns poemas e frases dela, mas não tantos quanto gostaria.
    Esse que você está apresentando tem uma premissa muito bonita, mas confesso que os que eu já li são melhores.
    Milagre é acordar todos os dias e poder abrir os olhos, falar, se locomover, não depender de ninguém. Milagre é a própria vida com toda complexidade e simplicidade ao mesmo tempo.
    Um excelente fim de semana para você.
    Beijinhos.
    Cila- leitora Voraz
    http://cantinhoparaleitura.blogspot.com.br/

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  2. Nao sou fan de cronicas. Mega problemas com ela



    xx

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    Respostas
    1. Obrigada por comentar, flor, mesmo que não goste de crônicas. :) Eu aprendi a gostar de algumas, mas não é meu gênero favorito, sabe? Espero que goste de poesias e contos. ^^
      Beijo carinhoso!!!

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  3. Linda crônica.

    Adorei o blog! Estou seguindo.

    www.meuslivrosesonhos.blogspot.com.br
    *Ficarei feliz com uma visita sua!

    Um abraço!

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  4. Oi Fran.

    Nunca fui de ler crônica. Na verdade nunca fui de ler nada até Fevereiro de 2012. hahaha quando uma amiga me incentivou a ler e e logo depois criei o blog. rs e olha eu aqui lendo de tudo um pouco.

    Adorei a crônica e volta mais vezes.


    Beijos Fê
    http://fernandabizerra.blogspot.com.br/

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  5. Sou casada com crônicas desde que as conheci (tenho um caderno só delas, umas minhas e outras de outros autores) e sou louca pela Clarice, mas nunca havia lido essa. Espero que apareçam por aqui mais crônicas :) amei o post

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